As novas medidas de austeridade para o sector da saúde põem em risco o tratamento de doentes em áreas como a do cancro. Isto mesmo foi admitido ao DN por médicos e administradores hospitalares. A oncologia depende muito de medicamentos inovadores, e a despesa nesta área é da ordem dos 25% dos gastos hospitalares. "Não tenho dúvida de que tentarão cortar logo o acesso a estes remédios, é o caminho mais fácil", diz ao DN Jorge Espírito Santo, presidente do colégio de oncologia da Ordem dos Médicos.O Ministério da Saúde aprovou há dois dias um pacote de dez medidas para reduzir a despesa e os desperdícios no SNS, definindo que esta não cresça mais de 2,8% em 2010. No entanto, e segundo dados do Infarmed a que o DN teve acesso, as despesas com estes medicamentos, só nos primeiros três meses de 2010, já subiram 7,9%, cerca de 207 milhões de euros, a nível nacional relativamente ao período homólogo.No caso da oncologia, a situação é bem pior, já que o aumento da despesa é muito superior, chegando a atingir os 39,7% no Porto; 18,1% em Lisboa e 8% em Coimbra. Há unidades que fazem tratamentos oncológicos, como São João, no Porto, ou Santa Maria, em Lisboa ,com subidas de 12% em relação a 2009.
Pedro Lopes, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares acha "difícil os IPO reduzirem a despesa até aqui". Jorge Espírito Santo pede excepções para os IPO, mas fonte do Ministério da Saúde diz que "não haverá excepções para nenhum hospital".O dirigente da Ordem acha os hipotéticos cortes inaceitáveis, porque "quem prescreve é o médico. Só ele sabe se o doente deve tomar o medicamento, e não o administrador.António Sousa, director do serviço do Hospital de São Francisco Xavier, também acredita que haverá limitações, em casos específicos. "Hoje já existem. É natural que se aperte mais a malha", admite. No caso dos remédios inovadores, exemplifica, "pode estreitar-se o critério: em vez de 4 ou 5 remédios (linhas de tratamento) podemos ficar por três ou quatro". Outro exemplo é o de doentes muito idosos e com doenças associadas. "Muitos países já fazem estas opções, porque haverá outros doentes que necessitam mais de medicamentos. Nós ainda tratamos todos; noutros países, chegam a ter de pagar se quiserem tratar-se". Mas esta hipótese "levanta inúmeros problemas de ética", alerta.Ao DN, o ministério garantiu que os tratamentos aos doentes "não serão postos em causa. O objectivo é dar acesso a mais remédios inovadores, mas, para isso, é preciso cortar no desperdício e nos erros de prescrição, por exemplo. Sabemos que a grande poupança está na correcção do desperdício", diz a mesma fonte.Outra forma de reduzir gastos é "negociar com a indústria e pressionar a redução de preços", refere Pedro Lopes. A ministra Ana Jorge disse ontem na comissão da saúde que "toda a indústria farmacêutica deve pensar seriamente em ser um parceiro". E referiu que tem de ser feita "uma análise muito criteriosa" sobre os fármacos, com preços "muitas vezes exagerados", disse, citada pela Lusa.Pedro Lopes admite o desperdício em unidades, mas sempre foi assim. Para reduzir gastos "é necessário negociar preços e criar políticas de medicamento entre vários especialistas", refere. O bastonário Pedro Nunes admite: "Se o tratamento falhar, a ordem irá pronunciar-se". E avança a necessidade de se criar critérios de prescrição para todo o SNS, para se poupar.